segunda-feira, 9 de junho de 2014

Ruy: a aguia de Haia

Baiano e baixinho, cabeça grande e olhar vivo, jurista notável e literato de peso, Rui Barbosa foi talvez a mais significativa personalidade de uma época da história brasileira. E essa época - da metade do século XIX à segunda década do século atual (XX) - foi marcada por profundas transformações na vida política, social e econômica, tanto dos países europeus como do Brasil.
Na Europa, as grandes potências industriais e militares cada vez mais se impunham às pequenas nações, originando tensões e problemas diplomáticos que pintavam perspectivas sombrias para o futuro. Enquanto isso, no Brasil, expandia-se aceleradamente a indústria, abrindo campo de trabalho para para operários assalariados e levando à formação de fortes grupos industrialistas; seus interesses opunham-se frontalmente aos dos fazendeiros, cuja prosperidade dependia principalmente da mão de obra escrava. Em consequência, o governo monarquista constitucional enfrentava sérias dificuldades sociais e políticas, além dos problemas econômicos, que não eram poucos.
A fim de resolver a questão, industriais e comerciantes agruparam-se num núcleo liberal, que se lançou ativamente à luta antiescravista e, depois de muita campanha, acabou por conseguir a abolição da escravatura em 1888. Anos mais tarde, já instalada a Republica, esse mesmo grupo empreenderia nova e veemente campanha contra a infiltração de uma mentalidade militarista na política, o que provocava uma redução cada vez maior do poder civil.
Rui Barbosa, que viera ainda jovem da Bahia para São Paulo e ali fizera o curso de direito, acompanhou desde o inicio as atividades dessa ala liberal que defendia a emancipação dos negros e logo se tornou um dos seus lideres mais respeitados. Em 1877 foi eleito deputado provincial pela Bahia e, já no ano seguinte, o seu brilhantismo como orador e sua competência como jurista lhe valeram a eleição para o cargo de deputado à Assembleia Geral da Corte.
Sintonizado com o seu tempo e percebendo os perigos que se desenhavam para o futuro, ele empenhou todo o seu talento como político, literato e jornalista na afirmação do Direito como base para uma paz duradoura entre as nações, como sustentação das liberdades individuais e como instrumento de defesa do Poder Civil. Sua luta pela abolição da escravatura, seu trabalho na Conferencia de Haia, sua participação na campanha civilista e a sua candidatura à Presidência da Republica não tiveram outro sentido.
Por volta do inicio do século XX, a situação política mundial tornava-se realmente grave. Na Europa multiplicavam-se a áreas de atrito e a guerra deixava de ser uma possibilidade remota para transformar-se em ameaça iminente. Em vista disso, reuniu-se em Haia, no ano de 1907, uma conferencia para discutir a paz mundial.
Representante brasileiro: Rui Barbosa.
Fazendo-se porta voz das pequenas nações do mundo e para forte irritação das grandes, Rui apresentou uma tese que defendia a igualdade entre os países, qualquer que fosse o seu poderio militar.
E após defende-la brilhantemente durante todo o decorrer da reunião, acentuou, em seu discurso de encerramento: "É o mais abominável dos erros o que se  persiste em cometer, insistindo em ensinar aos povos que as categorias entre os Estados se hão de medir segundo a sua situação militar, e isto justamente numa assembleia cujo fim consiste em nos distanciar da guerra.
"Atentai bem nas consequências, já agora mais formidáveis do que em nenhuma outra época. Há cerca de três anos que não descortinava a Europa, além de si mesma, no seu horizonte político, senão os Estados Unidos, como uma espécie de projeção europeia... Na Ásia e na América Latina, mal se divisavam expressões geográficas, com uma situação política de condescendência. no meio do assombro geral, se dá por uma aparição tremenda no Oriente. Era o inesperado nascimento de uma grande potência.
Entrava o Japão no concerto europeu pela porta da guerra, que forçava com a sua espada." Com essas ponderações, entre muitas outras, Rui procurava chamar a atenção mundial para a corrida armamentista que já então se delineava, cuja consequência obrigatória seria uma política caracterizada por regimes totalitários.
Os anos seguintes confirmaram suas previsões. E as bem intencionadas propostas da Conferencia no sentido de disciplinar as hostilidades bélicas não tiveram nenhuma aplicação prática. Na guerra Guerra mundial de 1914, a força das armas anulou todos os entendimentos pacíficos e acordos passaram a se fazer entre os mais armados, visando a uma dominação crescente das pequenas nações, tanto no plano político como no econômico.
Eloquente e combativo, Rui Barbosa dedicou toda a sua vida a luta política. Mesmo a sua literatura - e ele foi escritor dos mais produtivos - teve como tema a divulgação e a defesa de ideias políticas.
Ainda moço, como deputado pela Bahia, depois como representante do seu Estado na Assembleia da Corte, mais tarde como senador da Republica e duas vezes como candidato a Presidência, Rui batalhou incansavelmente pelas causas liberais e pela permanência do poder em mãos dos civis. Formou na linha de frente de todos os grandes movimentos liberalistas do Brasil, mas, apesar da sua magnifica oratória e do seu grande talento político, nem sempre conseguiu fazer com que suas ideias fossem ouvidas.
Assim que se instalou a Republica, por exemplo, foi chamado  a ocupar a pasta da fazenda. Mas, em virtude da desordem então vigente nas finanças brasileiras e devido à especulação bolsista que campeava na época, todos os seus esforços foram inúteis para deter a oscilação inflacionária.
Anos depois, a despeito do imenso prestigio que sua participação na Conferencia de Haia lhe rendera, enfrentou novo insucesso: candidato à Presidência em 1909, foi derrotado pelo Marechal Hermes da Fonseca. A brilhante campanha civilista liderada por Rui fizera com que a oficialidade do Exercito se unisse em torno dos seus chefes, dando apoio maciço à candidatura de Hermes - e essa união das forças militares acabou por provocar a derrota do parlamentar baiano.
Derrotas, porem, não abalavam o animo de Rui, que continuou ativamente envolvido nos problemas da política brasileira. Tanto assim que, no governo de Rodrigues Alves, recebeu convite para representar o Brasil numa nova Conferência de Paz, desta vez em Versalhes. A experiência de Haia, entretanto, tornara-o descrente desse tipo de negociações, e por isso não aceitou.
Dez anos após seu primeiro fracasso eleitoral, Rui Barbosa lançou-se novamente à disputa da Presidência.
Nesta campanha, as forças civilistas lideradas por Rui, agora empenhadas em um programa reivindicações sociais, enfrentavam um núcleo "bairrista" da política, que visava a reforçar os poderes provinciais, sem interesse maior por questões de caráter nacional.
Na luta, quem levou a pior foi Rui. Epitácio foi eleito e, para espanto de todos os que haviam apoiado, assumiu uma atitude surpreendente: num inesperado gesto civilista, nomeou ministros civis para todas as pastas militares. Quanto a Rui, encerrou a partir de então a sua carreira de opositor sistemático ao Governo Federal.
O conflito mundial de 1914 fez Rui Barbosa mudar inteiramente a sua atitude em relação à guerra. Discursando na Faculdade de Direito de Buenos Aires, em 1916, pronunciou-se abertamente contra a neutralidade - embora o Brasil se mantivesse  neutro e ele fosse o representante oficial do País nas comemorações do centenário da independência Argentina.
Declarava em seu discurso que "neutralidade não quer dizer  impassividade: quer dizer imparcialidade; e não há imparcialidade entre o Direito e a injustiça". Censurando também a neutralidade americana e propondo a sua transformação em luta do Direito contra a força, a oração de Rui teve uma grande repercussão no estrangeiro, onde foi tomada como a posição oficial do Governo do Brasil.
Este, no entanto, não se decidia pela declaração de guerra, de modo que o velho lutador que era Rui Barbosa se viu forçado a vir novamente a publico em defesa das suas ideias. E, com a mesma bravura com que defendera a paz na Conferencia de Haia e atacara o militarismo na Campanha Civilista, o brilhante tribuno lançou-se à pregação da necessidade de armar o Brasil para pô-lo em igualdade com as demais nações. A população brasileira, revoltada com o afundamento de três navios brasileiros por aeronaves alemãs, endossou a sua posição. E, finalmente, a 25 de outubro de 1917, Rui viu recompensados os seus esforços: atendendo à mensagem do Presidente Wenceslau Brás, o Congresso brasileiro declarou guerra á Alemanha.
Tendo batalhado ferozmente pela paz entre as nações, Rui Barbosa soube defender a guerra, quando chegou a hora. Civilista por principio, não hesitou em pregar a militarização, ao ver que se tornara necessária. Mas nessas atitudes, aparentemente contraditórias, havia um fundo de grande coerência: o respeito absoluto que Rui manteve pelo Direito, até o fim de sua vida. Que ocorreu em 1923, na cidade fluminense de Petrópolis.
Rui pôs todo seu talento jurídico a serviço da luta  contra a escravidão. Deputado da Assembleia Geral da Corte desde 1878, chegou a elaborar um projeto de lei (veja acima) para eliminar o trabalho escravo no Brasil. E disse, num discurso que pronunciou em 1887, no Teatro Politeama do Rio, no auge da campanha abolicionista, que, mesmo do ponto de vista do Direito escrito, a ilegalidade da escravidão do Brasil era "grosseira", "monstruosa" e "imprudente". Na Assembleia, na imprensa, nas manifestações publicas pela instituição do livre trabalho, a voz de Rui jamais deixou de estar presente. E sua indignação contra a escravatura era tal, que, segundo consta, após a abolição, ele mandou destruir todo e qualquer documento referente a esse passado - que depunha contra um Brasil que se dizia liberal.
Embaixador do Brasil na Conferência de Paz em Haia, 1907, Rui Barbosa desempenhou papel de relevo defendendo a ideia de que todas as nações, pequena ou poderosas, deviam ter os mesmos direitos.
O jornal da Conferencia - reproduzido ao lado - considerou-o um dos sete sabios do conclave. E Rui foi chamado "A Águia de Haia".
Duas vezes Rui Barbosa candidatou-se à Presidência da Republica e foi derrotado. Na primeira, em 1909, após a celebre campanha civilista, perdeu para o Marechal Hermes da Fonseca; muita gente duvidou da lisura na apuração de votos. Na segunda, 10 anos depois, foi derrotado por Epitácio Pessoa.

Fonte: Conhecer Editora Abril Cultural Volume 2 Pg. 372                
  <a href="https://twitter.com/share" class="twitter-share-button" data-via="Briefingdocandi" data-lang="pt" data-size="large">Tweetar</a><script>!function(d,s,id){var js,fjs=d.getElementsByTagName(s)[0],p=/^http:/.test(d.location)?'http':'https';if(!d.getElementById(id)){js=d.createElement(s);js.id=id;js.src=p+'://platform.twitter.com/widgets.js';fjs.parentNode.insertBefore(js,fjs);}}(document, 'script', 'twitter-wjs');</script>